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Rompendo com o “pacto da branquitude”

O título, que faz referência à obra da ativista Cida Bento, cofundadora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), é muito adequado para o primeiro e histórico pódio de mulheres negras nas Olimpíadas de Paris

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Cynthia Pastor é editora do Jornal Opção Entorno 

Esta semana foi de ouro, prata e bronze para o Brasil em muitos aspectos. Vimos em várias modalidades mulheres negras superando rótulos que ainda segregam a população negra em muitos lugares do mundo. O pódio histórico com Rebeca, Simone Biles e Jordan Chiles tem um significado que vai muito além do aspecto midiático, refletindo uma evolução nas narrativas do esporte e uma vitória essencial contra o preconceito.

Nossa Rebeca Rodrigues de Andrade, nascida em Guarulhos (São Paulo), tem DNA de vencedora e somente nesta Olimpíada realizou a proeza de se tornar a maior medalhista da história do país, com seis medalhas: duas de ouro, três de prata e uma de bronze. Sua trajetória pessoal é, sobretudo, de superação e resiliência, como a da grande maioria da massa brasileira. A mãe, que era esteio de família, foi faxineira por muitos anos para prover o sustento dos sete filhos e pagar pelo treinamento da filha atleta.

Rebeca andava a pé por duas horas para treinar. Chegou aonde chegou por mérito próprio, muita disciplina e impulsionada por um projeto social da prefeitura de sua cidade. Quando criança, já treinava e ficou conhecida como a “Daianinha de Guarulhos”, em alusão a Daiane dos Santos, a quem Rebeca considera como inspiração para sua carreira.

Já a impressionante afro-americana, Simone Arianne Biles, nasceu em Columbus, nos Estados Unidos. Biles obteve seis títulos mundiais no individual geral e mais 30 medalhas em diversas competições internacionais e há mesmo quem diga que ela nem é deste planeta, mas é.

Assim como Rebeca, Biles também enfrentou uma infância vulnerável, vivendo em lares adotivos até ser acolhida por seus avós. Ainda criança, foi deixada num orfanato com seus irmãos pela mãe, que enfrentava o alcoolismo e o uso de drogas. Simone, em entrevista à CNN, chegou a dizer que passou fome, mesmo sendo norte-americana e vivendo no tal país das “oportunidades”, que prega a meritocracia.

Na adolescência, foi vítima de abuso sexual. Nada foi tranquilo para ela. Em 2021, a atleta prestou depoimento ao comitê do Senado dos Estados Unidos, que investigava o ex-médico Larry Nassar por abuso de mais de 300 atletas da Federação de Ginástica dos Estados Unidos.

Por fim, Jordan Chiles é do Estado de Oregon, justamente um lugar onde moradores negros não podiam frequentar os mesmos locais que a população branca nos anos 20; justamente o estado que abrigava o grupo supremacista branco Ku Klux Klan; justamente o local, onde até os dias atuais, a população negra convive com resquícios da discriminação e ainda é tratada com extrema violência policial. Na adolescência, Jordan enfrentou muitos preconceitos por ser negra e pelo cabelo “black power”, além de ter que ouvir insinuações sobre ser ou não filha de sua mãe, que é branca.

É aqui que se rompe o “pacto da branquitude”, quando Daiane dos Santos, em seus comentários na Rede Globo, enfatizou, em lágrimas, que a primeira medalha do Brasil na ginástica artística chegava para uma atleta negra e rememorou em sua fala que, “até pouco tempo atrás, os negros não podiam competir em alguns esportes”.

A superação das atletas negras mundialmente observadas durante as Olimpíadas é um marco contra toda a ideologia eurocêntrica racial e contra todos os fatores limitadores sociais que, por algum motivo, tenham enfrentado. Um pódio que vale muito mais que uma medalha de ouro! Romper com a branquitude significa, acima de tudo, rejeitar a “naturalização do racismo”, como bem define o escritor Silvio Almeida. É mais que fundamental constituir um desejo de equidade que desmantele de vez as raízes do racismo estrutural. Somos todos iguais, independentemente de raça ou etnia.

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