Jornais e sites “fazem”, sem querer, propaganda eleitoral para Pablo Marçal, um jeca de Armani
Há jornais e sites brasileiros cujo jornalismo está no limite da “datilografia”. Muitas reportagens são meras transcrições de declarações, como se os profissionais estivessem a dizer aos leitores: “Somos objetivos e imparciais”. A “promoção” excessiva do que diz o candidato do PRTB a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal, não seria, digamos assim, propaganda política indireta? De alguma maneira, jornalistas estariam agindo de maneira “alienada”? Qual a responsabilidade de repórteres e editores? Ao divulgar mais o discurso e ações do controvertido político, os jornais estariam sendo “democráticos”?
O repórter Bruno Fonseca, da Agência Pública, publicou um texto relevante na quarta-feira, 25, sob o título “Jornalismo declaratório teria ajudado Marçal junto a eleitores, apontam levantamentos”.
A Agência Pública divulga dois levantamentos. Um elaborado por Fábio Vasconcellos, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), cientista político do Instituto Informa e pós-doutorando do INCT Representação e Legitimidade Democrática (Redem) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O outro é de autoria de Pedro Barciela, especialista em monitoramento de redes e autor do blog “essa tal rede social”.
Fábio Vasconcellos sublinha, na síntese da Agência Pública, que Pablo Marçal “foi o candidato com maior crescimento na cobertura da imprensa após as convenções partidárias que aconteceram no final de julho”.
As menções aos candidatos com mais intenção de voto — Guilherme Boulos (Psol), José Luiz Datena (PSDB), Pablo Marçal, Ricardo Nunes (MDB) e Tábata Amaral (PDT) — foram verificadas em 1,2 mil sites.
Antes das convenções, Pablo Marçal ganhava pouco destaque na mídia. Depois, “praticamente duplicou suas menções em reportagens, o maior crescimento em comparação a todos os outros quatro candidatos”.
Da esfera digital para a institucional
Os líderes nas pesquisas de intenção de voto — Ricardo Nunes e Guilherme Boulos — ganharam menos espaço do que o integrante da extrema-direita espetaculosa e virulenta.
“Esse comportamento de embate, agressivo, leva a imprensa, por razão de seus valores de notícia, a começar a falar mais dessa pessoa [Pablo Marçal, no caso], seja na perspectiva crítica, seja meramente de reprodução do que aconteceu, o que é muito ruim, mas aconteceu. Aí ele rompeu a bolha do digital — ele fez uma transferência da sua popularidade do digital para o ambiente institucional da política”, postula Fábio Vasconcellos.
De acordo com a pesquisa de Fábio Vasconcellos, o “quase-ator” Pablo Marçal ganhou mais visibilidade depois do primeiro debate da Rede Bandeirantes, ocorrido em 8 de agosto. A entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultural, longe de enfraquecê-lo, o fortaleceu. O grau de enfrentamento com jornalistas — como fazia Jair Bolsonaro, com relativo sucesso — parece que desperta interesse entre telespectadores e eleitores.
Nas entrevistas e debates, Pablo Marçal diz e propõe os maiores disparates, mas com a “convicção” incontornável de um Simão Bacamarte. Portanto, aquele que não usar um escudo intelectual, mínimo que seja, pode ser enganado. O candidato a prefeito posa de rico, mas seu discurso é lúmpen — daí a fácil apreensão. Há pessoas inteligentes que, em busca de soluções rápidas, quase mágicas, saem propalando as incongruências do político — um jeca de Armani.
“É aquela velha máxima: falem mal, mas falem de mim. Numa campanha eleitoral, se você consegue dominar a agenda eleitoral, você tem uma vantagem competitiva. Ao invés de estar falando das propostas de Nunes, Boulos, Tábata, a imprensa está ocupando energia e espaço para falar de Pablo Marçal”, sublinha Fábio Vasconcellos. E os que avaliam que estão “descontruindo” o extremista podem estar , eventualmente, ajudando a fortalecê-lo.
Político aproveita-se do jornalismo declaratório
Pedro Barciela examinou links de reportagens que citam Pablo Marçal e outros candidatos entre 22 e 28 de agosto. “O resultado é que Marçal foi o tema de 4 mil matérias no período, mais de três vezes a quantidade de conteúdo sobre” um de seus adversários, Guilherme Boulos. “Na época, Marçal esteve em ascensão nas pesquisas de intenção de voto em São Paulo, chegando a figurar em empate técnico no primeiro lugar junto com Boulos e Nunes”, assinala a Agência Pública.
(Abro um parêntese para colocar um questionamento. Sim, a imprensa promoveu Pablo Marçal, ajudou a firmá-lo, de maneira indireta — não dolosa — ,como uma alternativa. Entretanto, se o candidato do PRTB estagnou, sendo superado por Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, talvez seja o caso de se pensar que a exposição intensa pode tê-lo prejudicado. Os eleitores podem ter percebido, ao menos em parte, a sua superficialidade técnica, a sua inconsistência como homem público.)
“Marçal trabalha com as deficiências do jornalismo declaratório de forma muito eficiente”, assinala Pedro Barciela. O pesquisador enfatiza, de acordo com a Agência Pública, “que algumas das matérias sobre o político são baseadas nas falas ou respostas de Marçal. Um dos exemplos é uma série de matérias que repercutem o que o político disse após a Justiça Eleitoral de São Paulo decidir pela suspensão de perfis nas redes sociais por abuso de poder econômico”.
Uma reportagem frisou: “O empresário Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo, afirmou ser alvo de perseguição”. Uma fala do postulante, de uma live, é transcrita pela matéria: “Eu sou só um garoto de 37 anos. Acabei de entrar na política. Estão tão preocupados comigo por quê?” (o nazista Adolf Hitler assumiu o poder, na Alemanha, com 44 anos — sete a mais. Fidel Castro tinha 33 anos quando se tornou o poderoso-chefão de Cuba — quatro a menos).
Não dá para esconder um elefante, é claro. Mas “comprar” o discurso de quase-vítima de Pablo Marçal é, no mínimo, estranhíssimo. Provoca um certo mal-estar, uma sensação de estranhamento.
Pablo Marçal e a “ética do achaque”
Professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a jornalista Fabiana Moraes é enfática, em entrevista à Agência Pública: “Esse tipo de superatenção dispensada a ele pelo jornalismo, isso vai se repetir com outras figuras, como [Donald] Trump e [Javier] Milei, todos muito parecidos nessa ‘ética do achaque’. Esse componente do achaque, que vai funcionar como um entretenimento, vai fazer com que Marçal, Trump, Milei alcancem muito mais espaço”.
Fabiana Moraes diz que os jornais devem cobrir todos os candidatos, mas é imperativo questionar: “Porque declarações ofensivas são trazidas, reiteradas e vão ser superdimensionas nas redes do jornalismo. O jornalismo sempre foi atrás de audiência. Mas é preciso ter uma responsabilidade enorme. [É preciso se perguntar se] isso é interesse público ou do jornal em engajar, em ter cliques e, portanto, mais tráfego, mais receita”.
De alguma maneira, sem perceber, talvez por escassez de reflexão de repórteres e, sobretudo, de editores, a imprensa se tornou “serva voluntária” das diatribes de Pablo Marçal. Sem querer, há jornalistas que, na busca da fábula da isenção, se comportam, ante os jagunços da extrema-direita, como masoquistas.
Pablo Marçal é uma espécie de Chaves, o “amigo” de seu Madruga, mas deve ser levado a sério, naturalmente. Porém não é dever da imprensa torná-lo estrela, à custa do corte de espaço de políticos que, não sendo perfeitos, são muito mais sérios — casos de Guilherme Boulos, Ricardo Nunes (um bolsonarista de ocasião, mas não um direitista empedernido) e Tábata Amaral.
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