O líder empurrou os cúmplices para o golpe e foi vencido pelo medo do fracasso
Em apenas um mês, Jair Bolsonaro disse duas vezes o que já havia repetido em outras declarações. Que aplicar um golpe até pode ser fácil, se juntarem o que ele define como “uns malucos”. Mas e o dia seguinte?
O indiciado falou sobre o medo com o dia seguinte em entrevista à Veja, no início do mês, e repetiu sua tese depois em conversa com a imprensa, na terça-feira, no aeroporto de Brasília, ao retornar de Maceió.
O que aparece, nas duas intervenções, antes de qualquer outra observação ou ressalva diante da possibilidade de um golpe, é o medo com o dia seguinte. Só depois ele encaixa a conversa de que sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição.
A preocupação com o dia seguinte é acionada toda vez que Bolsonaro fala do golpe. O day after, como ele diz, salta na frente de qualquer outro argumento. É o que ajuda a compreender, nas conversas vazadas dos militares, o sentimento de que eles estavam articulando um golpe com um vacilão.
Os bloqueios de estradas, os atentados, os acampamentos, a disseminação de vídeos e áudios golpistas, tudo fazia parte da construção do cenário de pré-golpe, para que Bolsonaro assumisse a liderança do movimento. Porque ele desfrutava de base popular que nenhum deles tinha.
Por que o general Mario Fernandes fazia selfie nos acampamentos? Porque precisava transmitir engajamento, confiança e certeza aos patriotas e a interlocutores qualificados de que o golpe avançava e daria certo.
Assim como tinham que disseminar certeza os grandes empresários sonegadores e contrabandistas que faziam discursos em restaurantes, no início de novembro, pedindo que os bloqueios nas estradas continuassem, até a inviabilização da posse de Lula.
Todos fingiam convicção, mas sabiam que corriam altos ricos. Os que chegaram à beira do penhasco, como o conselheiro do TCU Augusto Nardes, que enviava áudios com chamamento e aviso de que havia “um movimento forte nas casernas”, tentavam dizer a quem os ouvia que tudo daria certo.
O ex-ministro Alysson Paulinelli, que gravou um vídeo e também enviou aos amigos, com o apelo “vá para a porta dos quartéis”, tinha reputação para passar a certeza de que o golpe iria acontecer.
Mas ninguém, nem Mario Fernandes, Nardes, Paulinelli e nem os empresários discursadores tinham certeza alguma. Eles precisavam propagar confiança, para que essa certeza passasse a existir.
Enquanto isso, Bolsonaro temia o dia seguinte, por saber que não tinha apoio da maioria dos chefes militares. E por ter certeza de que não tinha condições de liderar coisa alguma.
Fomentou as ações, carimbou a minuta do golpe, promoveu a gandaia dos malucos, abriu as portas do Planalto ao QG do golpe, mas nunca deixou grandes rastros, como os deixados por Fernandes e outros do entorno. Por estar apavorado com o dia seguinte.
Bolsonaro foi um golpista meia-boca para os seus, na base do seja o que Deus quiser, desde que fosse o Deus de Braga Netto, de Augusto Heleno, Fernandes e dos kids pretos. Não queria gastar o Deus dele com os aloprados e com a rataiada.
Um sujeito terrivelmente evangélico havia perdido a fé e estava terrivelmente mocosado no Alvorada, enquanto empurrava seus generais e seus subalternos para o golpe.
Quando decidiu fugir para os Estados Unidos, apenas cumpriu o que já estava previsto: afastou-se do cenário do golpe, porque não havia mais como conter a maluquice.
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Bolsonaro atirou sua turma à aventura do golpe, sabendo que poderia tentar escapar, se não desse certo, por não ter explicitado, como outros fizeram, envolvimento direto com os crimes planejados.
Suas digitais o incriminam, e o relatório da Polícia Federal deixa claro que ele planejou “e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa”.
Mas sonegou aos golpistas de todos os escalões, por não ter o que oferecer, um pouco da determinação desses outros 36 indiciados.
Foi um líder vacilão, o que não deve ter surpreendido ninguém do seu entorno. E admite agora que pode ser preso a qualquer momento. O dia seguinte nem sempre cai exatamente no dia seguinte.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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