Homem que espancou paisagista durante 4 horas é inocentado pela Justiça; vítima desabafa
A Justiça do Rio de Janeiro decidiu que o homem que tentou matar a paisagista Elaine Caparroz, em 2019, não pode ser responsabilizado pelo crime. A sentença é da 7ª Câmara Criminal. Segundo a decisão, o estudante de direito e lutador de Jiu-Jitsu Vinícius Batista Serra cometeu as agressões devido a comportamentos violentos causados por ‘distúrbios do sono’.
O acórdão também determinou que Vinícius Batista Serra não vai precisar pagar a indenização de R$ 100 mil pedida pela vítima. A advogada que representa Elaine já disse que vai recorrer da decisão nos tribunais superiores, e que pode ir ao Tribunal Penal Internacional.
No texto, o desembargador Joaquim Domingos afirma que, apesar de a agressão ter sido constatada e Vinícius ter assumido que cometeu o crime, ele é considerado “inimputável”.
A vítima está inconformada com a decisão e desabafou: “Imagina que esse criminoso quase tirou a minha vida, destruiu meu rosto, fraturou as minhas áreas orbiculares, fraturou costelas, perfurou meu pulmão, me deu cinco mordidas, me causou insuficiência renal e anemia profunda. Fui parar na UTI por dias, fiquei com sequelas psicológicas, pois passei a ter síndrome do pânico”.
A advogada de Elaine Caparroz, Gabriela Manssur, disse que, ao entrar no caso como assistente de acusação, já discordava da teoria de que Vinícius poderia ser considerado inimputável. Ela ressaltou que recebeu a decisão com tristeza:
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“As pessoas que julgaram esse caso não julgaram de acordo com a resolução do CNJ de perspectiva de gênero, sem o socorro necessário à mulher. Ela teve que se submeter à várias cirurgias, esse homem deformou essa mulher no rosto e na alma”, pontuou. “Vamos recorrer para todas as instâncias: STJ, STF e se necessário vamos recorrer aos tribunais internacionais”, acrescentou a advogada.
RELEMBRE O CASO
O lutador de jiu-jítsu Vinicius Batista Serra, 27 anos, desvencilhou-se do corpo imóvel da paisagista Elaine Caparroz, 55 anos, porque acreditou que ela, naquela luta difícil e sangrenta, estivesse, por fim, derrotada e morta. O faixa-marrom de quase 1,90m, estudante de direito, levantou-se, vestiu a camisa quadriculada em azul e branco, dobrou os punhos e saiu do apartamento da mulher com quem estivera uma única vez. Imaginava deixar ileso o quarto e sala alugado por Elaine no gigantesco Torre Charles de Gaulle, condomínio que abriga 454 apartamentos na Avenida das Américas, uma das principais vias da Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio de Janeiro.
Vinícius encostou a porta do 1606 e desceu os 16 andares, abandonando o cenário de guerra com móveis e objetos quebrados, pedaços de pele e cabelos enroscados em vários pontos, paredes borradas de sangue de alto a baixo e poças no quarto, demonstrando que aquele havia sido o principal território do massacre. Embora o dia ainda não tivesse clareado, dava para ver, por volta das 4h30 da madrugada de sexta, 16 de fevereiro, que sua camisa e também a calça jeans estavam respingadas de sangue.
“Foi você quem agrediu a dona Elaine?”, perguntou o segurança Jucilei de Sousa Andrade, 46 anos, já mandando o homem sentar com as mãos na cabeça—e Vinicius não teve escolha. Ao todo cinco funcionários da empresa terceirizada K-Paz, entre porteiros e seguranças do condomínio, apertaram-lhe o cerco na portaria. Jucilei havia ouvido gritos enquanto fazia uma ronda. Bateu na porta da paisagista, tocou a campainha, mas só ouviu uma ameaça: “Pode arrombar. Entra, você vai ver o que te acontece”. Então, ligou para a polícia. Ia voltar ao 16º andar, mas Vinicius apareceu no térreo. “Foi você?”, insistiu Jucilei. O homem confirmou sem hesitar que havia, sim, detonado Elaine. O porteiro Gilvan Lima, 58 anos, interfonou para um apartamento do 19º andar, onde vive Tatiane Viana, enfermeira, 35 anos, amiga íntima da paisagista. Desculpou-se por ligar àquela hora e pediu que fosse com ele ao apartamento de Elaine, que precisava dela com urgência.
Tatiane correu pelas escadas e se desesperou ao ver uma mulher engatinhando no corredor, nua, desfigurada, gritando: “Socorro, sou do 1606, sou do 1606”. Mesmo com a larga experiência no setor de emergência de um hospital público da capital, onde atende feridos a bala, vítimas de estupro, de trânsito e das atrocidades que decorrem de violência doméstica, a enfermeira entrou em pânico: “Nunca vi uma situação tão dramática, um corpo dilacerado daquela maneira, e perguntei: ‘Elaine, é você? O que fizeram com seu rosto?’” Passou a procurar na amiga feridas que tivessem sido feitas com lâmina. Imaginou um esfaqueamento, tamanha a quantidade de sangue que brotava dos olhos, dos ouvidos, da boca e das narinas. “Não encontrei buracos, mas vi sua dificuldade de respirar”. Então, Tatiane ergueu o tronco de Elaine, sentou-a para evitar que o bronco-aspirasse o líquido viscoso e vermelho, que acabou saindo no vômito, em longos jatos. Depois, deixou Elaine em decúbito lateral para evitar que voltasse a sufocar. Estava muito confusa, repetindo sem parar: “Socorro, sou do 1606”; “Por favor, não me deixa morrer”. Tatiane pensava: “Não terá mais jeito, o quadro parece o de um TCE (traumatismo craniano encefálico). E reviveu o filme de sempre: “O paciente fala, fala, fala. Quando o sangue esfria, a adrenalina baixa, ele entra em coma; não sai mais.”
inicius é sedutor. Ganhou a confiança de Elaine nos meses em que trocaram mensagens, incluindo as de Whatsapp. Chegou por volta de 22h30, beijou sua boca, disse que a paisagista era ainda mais bonita do que nas fotos que vira no Instagram. Ajudou a cortar os queijos que ele mesmo pegou na geladeira e brindou com uma taça de vinho. Aí as tormentas começaram: “De repente, saí da realidade. A dimensão da sala mudou, senti uma sensação estranha no corpo, como se estivesse flutuando, perdendo o domínio das minhas ações. Veio uma vertigem e nada mais era real ali”, lembra Elaine, que acredita ter sido dopada. O lutador pediu para deitar no colo dela para verem um filme de terror, o que ela achou de mau gosto. Mas consentiu que se aninhasse no colo. Fez carinho no cabelo do homem e, depois, só lembra de estarem no quarto. Ele deitado na cama, de braços abertos, sem camisa, falando: “Deita aqui, pra gente dormir abraçadinho”. Elaine fechou os olhos e adormeceu. Não sabe dizer se foi abusada sexualmente.
Acordou no chão com os joelhos do cara sobre a sua barriga. Ele a segurava pelo pescoço, já batendo. A paisagista perguntou: “Por que está fazendo isso? O que eu te fiz? Sou uma pessoa do bem. O que você quer de mim? Dinheiro? Eu te dou dinheiro. Para com isso”. O agressor soltava gritos de guerra, acertava socos cada vez mais violentos. “Parecia o demônio”, diz. “Fui ficando apavorada, pedi socorro, berrei centenas de vezes bem alto o número do meu apartamento.” Quanto mais ajuda a paisagista pedia, mais nervoso ele ficava e embrutecia as pancadas. O sangue jorrava por todo lado, quando Elaine decidiu: “Vou morrer, mas não será fácil para ele”. Lembrou-se do filho, Rayron Gracie, 17 anos, que também é lutador de jiu-jítsu, e ensina que é preciso poupar a cara, o pescoço. Então coloquei os braços na frente do rosto para protegê-lo. “A mão fechada dele escorregava nos meus braços empapados de sangue, e Vinicius não conseguia acertar o alvo”, recorda. Virou um monstro ensandecido. Passou a disferir mordidas para tirar os braços dela da frente. “Mordia, gritava, tirava pedaços e cuspia a carne para o lado. Deu um soco tão forte, que achei que tinha levado meu olho para fora. Mandou mais um murro e quebrou o meu incisivo direito. Vi o dente voar. Eu estava perdendo a luta”, conta. “Assim que veio com a boca arreganhada para arrancar a maçã do meu rosto, enfiei a mão na boca de Vinicius. Ele mordeu com tanta raiva, que senti seus dentes entrarem até a metade dos meus dedos. Rasgados, três ficaram pendurados”.
Com os olhos inchados, as pálpebras meio coladas, Elaine já não enxergava mais. Percebeu, porém, que o homem veio por trás e a colocou sentada. “Ele me daria um mata-leão”. O golpe é aplicado quando o lutador está nas costas do adversário e, com o braço, envolve o pescoço dele. “Com a mão direita, agarrei o cabelo de Vinicius, e com a esquerda segurei firmemente o meu para não perder a posição. Ele não conseguiu atingir meu pescoço.” Como não pôde estrangular, abraçou Elaine por trás, e a espremeu sem parar. “A pressão era tanta que fui amolecendo, perdendo a energia… e apaguei. Em algum momento, voltei do desmaio e notei que não apanhava mais. Ficou um silêncio enorme no quarto. Só me dei conta do que aconteceu quando Tatiane me encontrou no corredor.”
Partiu do MP a conclusão de que Vinicius não só teve a intenção de matar Elaine como, de fato, acreditou ter conseguido liquidá-la. Por isso deixou seu apartamento. Lastreado nessa convicção, e no agravante de o lutador de jiu-jítsu ter agido de forma dissimulada, por marcar o encontro, o Ministério Público pediu a condenação dele.
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