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Lei Maria da Penha completa 18 anos: desde 2020, quase 110 mil processos foram registrados por crimes de violência doméstica em Goiás

Legislação que visa combater a violência doméstica completa maioridade em meio a alta nos indicadores, exceto nos de feminicídio

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A Lei número 11.340, conhecida como lei Maria da Penha, foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006 e completa 18 anos nesta quarta-feira, 7. A legislação foi criada inspirada no caso da farmacêutica cearense de mesmo nome, que ficou paraplégica após tentativa de seu então marido de matá-la. A luta por justiça de Maria da Penha, que encontrou eco na de tantas outras mulheres, levou à criação da lei que visa coibir casos de violência doméstica e acolher as vítimas dessas agressões. 

Agressões físicas, psicológicas, ameaças, difamação, calúnia e perseguição são alguns dos crimes coibidos pela Lei. A legislação prevê ainda auxílio financeiro, hospitalar, psicológico e social às vítimas, além de medidas protetivas contra os agressores e a eventual prisão destes. “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”, destaca a lei. 

Na Justiça

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, em Goiás, o número de novos processos ligados a casos de violência doméstica bate recorde desde 2020, ano em que os dados começaram a ser compilados na plataforma de estatísticas do Poder Judiciário. Em 2020, foram 17.257 novas ações judiciais ligadas ao tema, enquanto que, em 2023, esse número quase dobrou, chegando a 31.404 novos processos. Até maio deste ano, foram 14.370 entradas no Poder Judiciário ligadas à violência doméstica. 

A plataforma computa casos de violência doméstica contra a mulher, lesões corporais oriundas desse tipo de agressão, crimes previstos na Lei Maria da Penha, descumprimento de medida protetiva de urgência, violência psicológica contra a mulher e feminicídio.   

Base de dados do CNJ sobre processos ligados à violência doméstica l Fonte: CNJ/Estatísticas do Poder Judiciário.

Os dados do Poder Judiciário destacam ainda um aumento no número de processos ligados ao crime de feminicídio em Goiás. Em 2020, foram 89 novos registros, já em 2023 foram 465. Até maio deste ano, a Justiça goiana já registrou 246 novos processos ligados ao tema. 

Anuário Brasileiro de Segurança Pública

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 traz informações específicas voltadas para o tema da violência doméstica contra a mulher. No levantamento, feito pelo Governo Federal, são destacadas informações sobre homicídios contra mulheres, feminicídios (quando a causa da morte está diretamente ligada à condição de mulher), tentativas desses crimes, lesão corporal dolosa, medidas protetivas concedidas com caráter de urgência, denúncias de violência doméstica no 190, registro de ameaças, perseguição e violência psicológica. 

Quando pensamos em homicídios cometidos contra mulheres no estado de Goiás, o Anuário destaca que em 2022 foram 137 vítimas, e no ano seguinte, 125. O número de registros de tentativas de homicídios contra mulheres no estado foi de 365, em 2022, e 359, em 2023. Quando pensamos no feminicídio, Goiás registrou 55 crimes consumados em 2022 e 56 no ano seguinte. As tentativas registradas deste crime no estado em 2022 e 2023 foram, respectivamente, 162 e 157.

No cenário nacional, foram 1467 mulheres mortas em casos de feminicídio e 3.930 homicídios com mulheres como vítimas, em 2023.

Em Goiás, houve crescimento de 1,3% nas ocorrências de lesão corporal dolosa no contexto de violência doméstica. Em 2022, foram 5.158 casos, e em 2023, foram 5.225. Quando pensamos em medidas protetivas em caráter de urgência, Goiás também registrou crescimento. Em 2022, foram 16.603 medidas concedidas e 20.418 no ano seguinte, trazendo um crescimento de 23%.

Registros de ameaças contra mulheres tiveram aumento de 15,4% de 2022 para 2023. Foram 26.350 ocorrências em 2022 e 30.406 no ano seguinte. Ocorrências de perseguição e violência psicológica contra mulheres também cresceram. Foram 2.914 casos de perseguição computados em 2022, e 3.711 em 2023 (crescimento de 27,4%). Já os casos de violência psicológica atingiram a marca dos 1.792 registros em 2022 e 2.737 em 2023 (aumento de 52,7%). 

O documento alerta ainda para a subnotificação. Os dados computados vêm dos registros de boletins de ocorrência, mas, até chegar a esse ponto, a denúncia da violência precisa vencer algumas etapas. “Existe uma parcela da violência que não entra nas estatísticas oficiais, por razões diversas como desconfiança nas instituições, fatores psicológicos como medo e culpa, burocracia e dificuldade do acesso a serviços, entre outros”, concluíram no Anuário. 

Clique aqui e acesse a versão completa do anuário. 

Na linha de frente

Em entrevista ao Jornal Opção, a delegada Ana Elisa Gomes, titular da Delegacia Estadual de Combate à Violência Contra a Mulher em Goiás (Deam), afirma que o crescimento do número de denúncias de crimes ligados à violência doméstica não significa, necessariamente, um aumento na ocorrência de crimes, mas sim um fortalecimento da cultura da denúncia.  

Delegada Ana Elisa Gomes, titular da Delegacia Estadual de Combate à Violência Contra a Mulher em Goiás (Deam) | Foto: PCGO

“Eu não tenho dúvidas que essa violência sempre existiu, só que muita gente, culturalmente, sempre varria isso para debaixo do tapete”, afirmou. A delegada trouxe dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para exemplificar a importância da cultura da denúncia. Enquanto os registros de medidas protetivas e boletins de ocorrência por lesão corporal, por exemplo, crescem em Goiás, o número de tentativas de feminicídio enfrenta queda. 

Ana Elisa afirma que “nós ainda estamos engatinhando em relação a idade da lei”, entretanto, reconhece os avanços necessários para garantir segurança para as mulheres vítimas de violência doméstica. “O que eu percebo é que, na verdade, as instituições estão se comunicando mais com o propósito, de fato, de favorecer a mulher em situação de violência”, finalizou.

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“Eu acredito que quanto mais a mulher fala sobre a violência sofrida, quanto mais ela pede socorro, ela procura as autoridades, mais ela se garante viva”, destacou a titular da Deam.  

Ao Jornal Opção, a comandante do Batalhão Maria da Penha da Polícia Militar, major Dyrlene Seixas, reforçou a importância da denúncia no contexto de violência doméstica, quando, muitas vezes, o policiamento ostensivo não ajuda. “Para a mulher não é fácil fazer a denúncia, a gente sabe disso, mas é preciso que elas entendam a necessidade”, afirmou. 

A comandante destaca que, com o passar do tempo, o Estado começa a se ocupar com a criação de uma rede de proteção capaz de acolher as vítimas desse tipo de violência, que muitas vezes envolve dependência financeira, emocional e psicológica com o abusador, dificultando a ação da polícia. Acompanhamento das medidas protetivas, abertura de casas de acolhida, criação de cursos de capacitação e tratamento junto ao sistema de saúde são alguns dos pontos de apoio para essas mulheres.  

“Quando a gente fala em violência doméstica hoje a gente já entende que não é só uma questão policial”, reforçou a importância do tratamento multidisciplinar dos casos de violência doméstica. 

Comandante do Batalhão Maria da Penha da Polícia Militar, major Dyrlene Seixas | Foto: PMGO

Outro ponto destacado pela comandante é o aumento dos acompanhamentos das medidas protetivas por parte da PM. Segundo Dyrlene, foram quase 28 mil acompanhamentos no primeiro trimestre do ano passado, enquanto no mesmo período deste ano o número saltou para mais de 97 mil. “A presença da polícia ajuda a fazer valer a medida protetiva”, finalizou.

Apoio psicológico

A reportagem entrou em contato com a psicóloga clínica e professora aposentada da Unesp, Ana Cristina Nassif Soares, a fim de entender um pouco melhor a perspectiva subjetiva de todo esse processo de violência e denúncia. A especialista reforça a importância de acolher e ouvir as demandas específicas de cada uma dessas mulheres, mas sem deixar de lado os fatores macro que levam a essa situação. 

Para a psicóloga, após a denúncia, “não dá pra gente ignorar questões materiais, não dá pra gente ignorar educação, saúde, transporte… essas mulheres precisam ter lugares que elas possam ser defendidas”. Como muitas vezes existe dependência financeira dos abusadores, o momento da denúncia e da separação acabam exigindo esforços maiores do que se imagina. 

Ana Cristina coloca a questão da violência doméstica contra a mulher como algo estrutural, que foi construído por uma cultura de séculos e que precisa ser questionada mais a fundo. A especialista coloca a participação da mulher (tanto na denúncia em si, mas também ocupando os devidos espaços políticos) como fundamental para reversão desse quadro a longo prazo. 

Psicóloga Ana Cristina Nassif Soares l Foto: Arquivo pessoal.

“Os homens precisam ser educados para isso. Do mesmo jeito que nós [mulheres] fomos educadas para brincar com boneca, com vassoura, com cozinha, com panelinha e trocando o bebê”, exemplificou o esforço coletivo necessário para modificação da cultura intergeracional.  

Por fim, a especialista destaca a importância de se criar políticas públicas que interligam diversos setores do governo a fim de combater a violência doméstica. “Aquele ditado ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’, é totalmente falho. A gente tem que meter a colher, o Estado tem que meter a colher, a comunidade tem que meter a colher”, concluiu.

Governo de Goiás 

Ao Jornal Opção, a primeira-dama do estado e coordenadora do programa Goiás Social, Gracinha Caiado, fala um pouco sobre a rede de apoio montada pelo estado para atender as mulheres vítimas de violência doméstica.  

Gracinha fala do recente lançamento do aplicativo ‘Mulher Segura’, que permite às cidadãs “comunicar casos de violência, acionar a Polícia Militar em casos de emergência e ter à mão a localização dos batalhões e das delegacias próximas”. Como a major Dyrlene, a primeira-dama reforça a importância da atuação da PM no acompanhamento das medidas protetivas. “As nossas forças policiais estão a postos e capacitadas para receber casos de violência doméstica e providenciar a essa mulher todo o apoio necessário, assim como encaminhar a devida punição ao agressor” concluiu a coordenadora do programa Goiás Social. 

Primeira-dama do estado e coordenadora do programa Goiás Social, Gracinha Caiado | Foto: Alberto Maia

A primeira-dama destaca ainda a atuação do Plano Estadual de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, que coordena esforços multissetoriais a fim de prevenir novas vítimas desse tipo de agressão. Campanhas de conscientização, espaços de atendimento específicos para as vítimas de violência doméstica (como a Sala Lilás), além de esforços para formação profissional e posterior independência financeira dessas mulheres são alguns dos pontos destacados do Plano por Gracinha. 

“Acredito que a forma mais eficaz para romper esse ciclo de violência é dando condições para que essas mulheres possam ter independência financeira para cuidarem de si mesmas e de seus filhos”, resumiu. 

Gracinha aponta ainda atenção especial que o Governo Estadual dá às mulheres vítimas de violência doméstica em alguns de seus programas sociais, tendo muitas vezes prioridade nas filas de espera. Goiás por Elas, Mães de Goiás, Crédito Social, Pra Ter Onde Morar e Dignidade Menstrual são algumas ações do estado que compõem a rede de apoio para essas mulheres.

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