Pablo Marçal, o ex-coach que faz Bolsonaro parecer a Madre Teresa
“A minha pergunta é simples. Você pretende usar sua experiência no mundo do crime para cuidar de São Paulo, para fazer política pública de segurança?”. A provocação citada nas aspas foi feita pela candidata do PSB à Prefeitura de São Paulo, Tabata Amaral, ao candidato do PRTB, Pablo Marçal, no primeiro dos debates de candidatos da capital paulista, promovido pela Rede Bandeirantes no dia 9 de agosto.
A pergunta, à primeira vista, claro, soa como uma típica provocação de debate, quando candidatos, aproveitando a atenção e o tempo disponíveis, levantam ataques e acusações contra o oponente na tentativa de desmoralizá-lo perante a população. Muitas vezes, a investida é feita com base em informações distorcidas ou até mentirosas, mas até que se desminta e se explique o real teor do argumento, o estrago na imagem do candidato atacado já foi feito. No entanto, no caso em questão, quando se leva em conta investigações, acusações e até uma condenação, o termo “crime” pode não estar tão longe assim da realidade.
Acontece que Pablo Marçal chegou a ser condenado pela Justiça Federal em Goiás a quatro anos e cinco meses de prisão por furto qualificado e associação criminosa após ter sido apontado como integrante de uma quadrilha que roubava valores de contas bancárias através da instalação de vírus em computadores. No entanto, a pena foi extinta por prescrição do processo (182459420054013500). O caso, investigado pela Polícia Federal, gerou uma operação em agosto de 2005, a Pegasus.
Em depoimento obtido por veículos de imprensa, como O Globo, o ex-coach, em sua defesa, disse que “apenas atuava na manutenção de computadores e que não sabia da atuação criminosa”.
As polêmicas envolvendo o nome do hoje prefeitável chegam, também, à sua atuação como “coach cristão”. Em janeiro de 2022, Marçal e um grupo de 60 pessoas escalaram o Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo. A montanha de mais de 2,4 mil metros de altitude costuma atrair trilheiros e montanhistas do mundo todo, mas é temida pelos perigos que pode oferecer, principalmente em cenários de mau tempo – que foi justamente o que quase provocou uma tragédia na expedição liderada por Marçal que, segundo ele, serviria para “destravar códigos mentais”.
Ao longo da subida, o grupo de seguidores de Pablo Marçal foi atingido por ventos de grande intensidade e uma forte chuva. Alguns deles desistiram e decidiram voltar antes do atingir o topo. Os outros, 32 pessoas que resolveram seguir, precisaram ser resgatados pelo Corpo de Bombeiros. Logo após a operação, que durou cerca de 9 horas, o capitão Paulo Roberto Reis, dos bombeiros, não escondeu o choque com a situação. Segundo ele, subir com um grupo de pessoas despreparadas e sem equipamento ao topo do Pico dos Marins “é colocá-las sob risco de morte”. “Essa foi a pior ação que a gente viu no Pico dos Marins”, declarou.
Mesmo com as controvérsias em torno de seu nome, Pablo Marçal decidiu se lançar na política. O ex-coach teve sua candidatura indeferida em 2022, e agora, dois anos depois, volta como candidato à Prefeitura de São Paulo. Os debates com a presença de Marçal são um show à parte. A estratégia do candidato é embasada essencialmente em provocações e polarização. Com um vocabulário em parte majoritária composto pelos termos “comunistas, esquerda e direita”, Marçal simula uso de drogas para insinuar que seu adversário é usuário de cocaína, persegue seu oponente no estúdio como uma carteira de trabalho nas mãos – na tentativa de passar a mensagem que o adversário não gosta de trabalhar -, xinga, esbraveja, ataca e puxa o debate para uma espiral de caos e lama.
A última polêmica do candidato diz respeito justamente a um outro “senhor das controvérsias”. Jornais do país inteiro divulgaram, nos últimos dias, o embate nas redes sociais entre Marçal e o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, pessoa que, de modo desesperado e contínuo, o ex-coach ainda tenta angariar apoio.
Os quatro anos da gestão de Bolsonaro à frente do Planalto foram marcados por declarações polêmicas, ataques, polarização, instabilidade institucional e mau humor. Hoje, fora do poder e sem possibilidades de retomá-lo, uma vez que está inelegível, o líder do PL está agora direcionando sua ainda alta influência política e eleitoral, assim como sua energia para confrontos, para as eleições municipais. Em São Paulo, Bolsonaro já deixou claro: seu candidato é o atual prefeito, Ricardo Nunes. Marçal, é claro, parece não lidar bem com o fato, e sob o argumento de que o ex-presidente está “apoiando um comunista”, tenta puxar o apoio bolsonarista para ele.
A estratégia, até o momento, não tem surtido efeito. As trocas de farpas entre Jair Bolsonaro e Pablo Marçal evidenciam que o ex-presidente tem cacife para não ceder à pressão dos apoiadores do ex-coach e não deve abrir mão do apoio a Nunes. E a cada investida, a cada resposta atravessada, a cada ataque de Bolsonaro, a tendência é que Marçal responda tão, ou mais, violentamente.
Quando se fala em ataques e em vigor para fazê-los, Pablo Marçal faz Jair Bolsonaro se comparar a uma pessoa pacífica, serena. O que se desenha é o embate entre duas figuras belicosas, conturbadas, agressivas e ideológicas, e que contam com uma vasta gama de séquitos dispostos a defender seus ícones a qualquer custo.
Ao longo do pleito deste ano, a explosão de caos e virulência oriunda dos dois pode fazer com que se unam, se complementando e se fortalecendo, ou se digladiem até que sobrem somente os cacos pelo chão. De um jeito ou de outro, a civilidade e o respeito necessários ao exercício da democracia passam a existir mais no imaginário popular do que no cotidiano daqueles que deveriam ser os primeiros a colocarem-nos em prática.
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