Comunidade do Macaúba, em Catalão, denuncia morte de nascentes após ação de mineradora
Representantes da comunidade do Macaúba, na zona rural de Catalão, realizaram um protesto no dia 17 de agosto contra a construção de uma nova pilha de estéril da mineradora chinesa CMOC. O movimento dos moradores de Macaúba, e de outras comunidades vizinhas às multinacionais, é em defesa das nascentes da região, que foram sendo reduzidas ao longo dos anos de exploração do subsolo por parte de duas mineradoras instaladas ali, a CMOC e a estadunidense Mosaic.
A comunidade segue protestando contra a expansão da multinacional chinesa, que conseguiu, em julho deste ano, autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad-GO) para a construção de nova pilha de estéril em cima de três nascentes. Vale lembrar que pilhas de estéril são montanhas de dejetos retirados do subsolo no processo de exploração de algum minério específico, podendo, muitas vezes, modificar a paisagem.
O protesto do dia 17 consistiu em uma marcha até o cruzamento da rodovia que dá acesso às duas mineradoras, com marcação de cruzes para representar as nascentes mortas ao longo dos anos de atuação das multinacionais. Ao todo, foram 14 cruzes fincadas (representando as 14 nascentes já mortas) e outras três cruzes diferenciadas, simbolizando as nascentes que estão em perigo.
Apesar da movimentação das comunidades e dos danos ambientais que já aconteceram, a Semad-GO concedeu a licença para construção de nova pilha. Em nota, a pasta se limitou a dizer que: “no processo de licenciamento, foram apresentados estudos visando diagnosticar a área proposta e propor as medidas de controle, monitoramento, mitigação e compensação dos impactos ambientais negativos advindos da instalação da pilha”.
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Dessa forma, fica claro que o órgão responsável pela proteção ambiental no Estado de Goiás está ciente dos danos causados pela expansão da mineradora, mas decidiu focar sua atuação em medidas de “mitigação” e “compensação” dos “impactos negativos”. Não foi especificado quais impactos ambientais seriam compensados, nem a extensão dos danos ou sequer as medidas propostas pela mineradora.
O Jornal Opção entrou em contato com a CMOC Mineradora a fim de conseguir resposta às demandas apresentadas pela comunidade do Macaúba, entretanto, não houve resposta até o momento de publicação desta matéria. O espaço segue aberto.
Proteção
Em entrevista ao Jornal Opção, a Irmã Maria Inês de Oliveira, militante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) envolvida na defesa das comunidades próximas às mineradoras, compartilha parte da trajetória da região. Segundo Inês, o histórico de embates com as empresas só se tornou mais organizado por parte da comunidade a partir de 2017, quando houve a judicialização de cinco famílias que estavam em processo de negociação com as multinacionais para compra e venda de terras na região. Entre 2021 e 2022, uma comissão representativa das comunidades foi formada oficialmente para dialogar com os poderes competentes.
“A partir do momento que eles [mineradoras] precisam das terras, eles abordam as famílias, começam a negociar, e se a família não aceita o preço imposto por eles, eles simplesmente depositam o valor que eles acham que vale, em juízo, e o juiz dá a posse da terra do pequeno agricultor para a mineradora”, resumiu os ocorridos com algumas das famílias que chegaram a ser judicializadas pela CMOC.
Se soma à luta em defesa das nascentes da região, a luta pela valorização dos territórios das famílias tradicionais que vivem ali. Segundo a irmã Inês, existe a prática de desvalorização do alqueire por parte das multinacionais. “Exigimos que o juiz nomeasse um perito para avaliar as terras”, explicou parte da atuação dos movimentos sociais em defesa das comunidades. Na sequência, ela complementa dizendo que “conseguimos, então, um valor muito maior a partir da avaliação”.
Já houve ofertas por parte da CMOC que colocavam o valor do alqueire a R$ 90 mil, enquanto avaliadores oficiais enviados pela Justiça, já chegaram a avaliar o alqueire de terra nua entre R$800 mil e R$1.080.000,00.
A pressão das mineradoras e a permissividade do Poder Público trabalham juntas para desocupar a região e a dedicar exclusivamente à exploração de nióbio e fosfato.
A irmã conta que a Comunidade do Chapadão, que “era uma comunidade muito viva”, acabou. “Lá não tem mais ninguém”, lamenta. Em Macaúba, havia “uma comunidade numerosíssima” com mais de 100 famílias. Dessas, restam cerca de 25. Outra comunidade que sofreu com a chegada das mineradoras foi a de Coqueiros. Segundo Inês, era uma “comunidade imensa”, também com mais de 100 famílias, das quais restam hoje pouco mais de 30. “Já foi todo mundo embora”, concluiu.
Os relatos da CPT apontam que “mais de 200 famílias já saíram da região”. Se referindo à pressão lobista, à escassez de água e à queda na qualidade de vida dos moradores após a chegada das mineradoras, Inês lamenta a conclusão de que “não tem como mais as comunidades permanecerem num lugar desses”.
A luta atual é para garantir o pagamento de um valor justo para quem decidiu vender seus territórios, indenizar os danos já sofridos ao longo dos mais de dez anos de atuação das multinacionais, além, claro, da defesa dos cursos hídricos do Cerrado. Segundo os moradores, os processos em andamento contra membros da comunidade alegam que o usufruto do subsolo é da União, e por isso a atuação da multinacional atenderia ao interesse público.
Quem vive na pele
Ao Jornal Opção, um morador da região do Macaúba, que preferiu se manter anônimo a fim de evitar possíveis retaliações, compartilhou parte do cotidiano da comunidade após a chegada das mineradoras. O residente do Macaúba coloca a poeira cotidiana que sobe das pilhas de estéril, os barulhos advindos da extração (que às vezes vão até de madrugada), os riscos à saúde, os danos ambientais e a pressão lobista como alguns dos principais prejuízos que vieram com a mineração.
O morador conta que a comunidade não se opunha às atividades das mineradoras no início de sua instalação na região, alguns até as receberam como sinal de progresso e desenvolvimento para a região. Entretanto, após perceberem a prática de desvalorização dos territórios em negociação, além dos danos ambientais, a posição do povo do Macaúba mudou.
Sobre o protesto mais recente contra a expansão da CMOC, o morador afirma que a comunidade só ficou ciente da autorização da Semad-GO quando viu a multinacional realizando a retirada da vegetação da área designada para a nova montanha de dejetos da mineração. “As pilhas de estéril da mineradora CMOC, elas estão cobrindo as nascentes de água da comunidade”, afirmou.
Mesmo que a população tenha solicitado a transferência da nova pilha de estéril para outra região, deixando claro o risco para as nascentes do local, o órgão responsável pelo licenciamento aprovou no local sugerido pela empresa. “Em área que não ia afetar nascente, eles teriam que deslocar um pouco mais, seria um custo maior para eles”, especulou a motivação.
O morador reforça o relato de irmã Inês sobre a pressão para venda realizada pela mineradora. “Enquanto eles estavam negociando com a família, estava correndo um processo por trás, que a família nem foi notificada. Quando a família ficou sabendo, já foi para ordem de despejo”, compartilhou um relato.
Além disso, o membro da comunidade faz duras críticas ao Código Minerário do Brasil, que, segundo ela, precisa ser reformulado. “As empresas estrangeiras vêm aqui, retiram riqueza dos solos, pagam uma merreca de imposto (quando pagam), levam a riqueza para os países deles e a gente fica aqui só com a destruição e com os danos”, resumiu.
Diálogo com forças oficiais
Na licença expedida pela Semad, assinada pelo superintendente Marcelo Bernardi Valerius, garante um depósito com capacidade de 41,5 milhões de metros cúbicos de material (com altura máxima de 1.050 metros), na fazenda Posse de Valadão, zona rural de Catalão.
O documento exige da mineradora respeito às Normas Reguladoras de Mineração (NRM) e à norma ABNT NBR 13.029/2006, garantindo a segurança e a estabilidade da estrutura conforme o projeto executivo elaborado pela BRASFER Consultoria e Projetos de Engenharia. Também devem ser instalados sistemas de drenagem e impermeabilização para evitar a contaminação do solo e das águas subterrâneas, além de controlar o escoamento superficial e prevenir erosões.
Representantes das comunidades afirmam que entraram em ação junto ao Ministério Público Federal, à Defensoria Pública do Estado de Goiás e nos tribunais de justiça contra a expansão da multinacional chinesa.
Documento do MPF mostra uma série de posicionamentos dos órgãos oficiais sobre o tema. A Agência Nacional de Mineração (ANM) destaca que, “diante do reduzido quadro de servidores”, as fiscalizações se concentram nos grandes empreendimentos, ou seja, “são nacionalizadas e sem dedicação à unidade específica da Federação”. Além disso, o órgão afirma que, de janeiro de 2020 a julho de 2024, foram repassados aos municípios goianos de Catalão e Ouvidor R$ 49.003.362,64, devido à atuação da mineradora na região.
Por sua vez, o Incra afirma que existem três processos administrativos ligados à multinacional, sem maiores especificações. O documento reforça as possibilidades apresentadas pela CMOC para redução dos danos ambientais, entre elas: perfuração de poços artesianos e reposição de águas nas nascentes por meio de bombeamento.
O levantamento do MPF destaca ainda quatro multas aplicadas pela Semad à mineradora. Uma de mais de R$700 mil por não atender satisfatoriamente algumas condicionantes e “por interferir no padrão de qualidade da água nos córregos Morro Agudo e Tombador”. Uma outra infração no valor de R$9 milhões por desrespeito às normas ligadas aos depósitos de rejeitos. Também foi registrada uma multa acima de R$10 milhões por “lançar substâncias em concentrações acima dos padrões de referência da Conama”. Por fim, uma infração de R$1 milhão “por prestação de informação falsa, omissa ou enganosa”.
O Jornal Opção tentou contato com o Ministério Público e com a Defensoria Pública do Estado de Goiás para mais informações sobre o caso, entretanto, não houve retorno até o momento de publicação desta matéria. O espaço segue aberto.
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