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Trilogia de John Banville é uma história de exploração da memória, da família e da identidade

Roberson Guimarães

Estou lendo a trilogia que o prosador irlandês John Banville escreveu sobre as relações entre Alexander Cleave e Cass Cleave, pai e filha. Ele, um ator de teatro que se depara com uma crise de meia-idade e abandona o ofício; ela, uma criança-adolescente-adulta (os livros fazem volteios no tempo) com algum tipo de esquizofrenia. Ela ouve vozes e se entrega a pesquisas esdrúxulas que quase sempre abandona pelo caminho.

No primeiro livro da série, “Eclipse”, ocorre uma cena de beleza avassaladora e também trágica. A menina Cass se envolve em uma briga com um menino deficiente, creio que autista e após a briga “cortou todo seu cabelo ruivo e o atirou no chão para eu encontrar” e depois se tranca no quarto para evitar o pai. Depois de algum tempo ela permite que o pai entre e eles têm um diálogo que é sublime. Daqueles momentos em que a literatura arrebata e convence pela beleza, pela força mas sem perder a delicadeza.

Termina assim:

“Ela esfregou uma mão no seu crânio raspado fazendo um som irritante. Ela enfim olhou para mim. Seus olhos eram verdes. Meus olhos, assim me diziam, embora eu não consiga ver a semelhança.

“— Gosta do meu corte de cabelo?

William John Banville, de 78 anos: um dos mais importantes escritores da Irlanda | Foto: Reprodução

“Eu podia ouvir tenuemente, do alto, os gritos dos andorinhões se empanturrando. Um dia, quando era pequena, ela subiu no meu colo e disse gravemente que só havia três coisas no mundo de que tinha medo: pasta de dentes, escadas de mão e pássaros.

“— Sim, Cass, eu disse. Gosto.”

Trilogia do autor irlandês é uma obra de arte

Uma história de exploração da memória, da família e da identidade; ricamente escrita, de uma forma honesta, profundamente interrogativa e, acima de tudo, espetacularmente bela. A maneira como trata as verdades dolorosas sobre a inadequação parental e as limitações do amor fez-me recordar Kenzaburo Oe em “Jovens de um Novo Tempo: Despertai!”

É, de uma forma que tantos romances contemporâneos não são, uma obra de arte.

Roberson Guimarães é médico e crítico literário. É colaborador do Jornal Opção.

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