Eis-me: não gosto de poemas que se demoram diante do espelho
Ângela Lobo é minha amiga de longas décadas. Temos, coincidentemente, a mesma idade e nascemos no mesmo dia e mês. Desde que nos conhecemos, a gente troca felicitações no dia do nosso aniversário, isso quando a gente não passa a data juntos. Nunca fomos além da fronteira da amizade. Tem dois livros publicados, contudo se recusa a dizer que é poeta. Diz que é escrevinhadora. Conta que não pretende mais publicar livros, pois, segundo ela, “os leitores sumiram, principalmente os leitores de poesia, a qual exige uma leitura com maior perscrutação, uma leitura que saiba desnudar o poema e assim chegar à sua nudez semântica”.
Ela está certa, sobretudo quando se trata de uma poesia mais elaborada, bem distante da poesia “batatinha quando nasce…” Não confunda, altaneiro leitor, “poesia mais elaborada” com poesia rebuscada, que acaba obscurecendo o conteúdo. Eu particularmente detesto poemas que se demoram diante do espelho se maquiando. Há versos excelentes construídos com palavras simples, porém palavras bem exatas dentro do campo da simplicidade. Em seu romance “A Hora da Estrela”, Clarice Lispector disse que a obtenção da simplicidade só é possível “através de muito trabalho”. Ela não falou isso sobre o ofício poético, mas suas palavras cabem no assunto.
Michel de Montaigne, meu guru filosófico, falou de outro tipo de simplicidade, uma relacionada à maneira sensata de tocar a vida: “Há pessoas que se esforçam por manter artificialmente o espírito nas regiões etéreas; eu quero o meu humildemente instalado junto ao solo”. Ele tem razão de sobra, haja vista que os vermes, bichinhos de estimação do tempo, fazem ceia de todos, sem querer saber se as frias dos cadáveres sejam de rei ou de plebeu, de sábio ou de tolo. Montaigne deu cascudos nas pessoas que vivem no mundo artificialidade como se fossem de castas superiores. Nas regiões etéreas, não há solo fértil para que o espírito brote e floresça para si mesmo. A opção pelo solo é a melhor, pois permite nos semearmos em nós mesmos e consequentemente, florescermos e ser visitados por borboletas e beija-flores…
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Voltemos à poesia. Minha amiga Ângela Lobo me disse que está numa situação embaraçosa, pois recebeu de um amigo o projeto de um livro de poesia para que ela realize um comentário sobre suas impressões relacionadas aos poemas. E isso para constar na apresentação da obra. Me contou que leu todos poemas, mas que encontrou pouca poesia. Relatou-me que “a intenção poética do livro é melhor que o livro”. Essa tarefa de avaliar livro nunca foi comigo, até porque não me julgo gabaritado assim para tecer comentários dessa natureza.
Nessas horas, o poeta e escritor Rainer Maria Rilke me sopra algo precioso: “Não nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica”. Monteiro Lobato incorreu nesse erro ao cair de pau na artista Anita Mafaltti num artigo (“Paranoia ou Mistificação”) que publicou em dezembro de 1917 no jornal Estado de S. Paulo. Lobato dividiu os artistas em duas categorias: “os que veem normalmente as coisas” e “os que veem anormalmente a natureza”. Mafaltti, para ele, estava na última categoria. O aborrecimento lobatiano mesmo era para com os artistas modernistas brasileiros. “São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fins de estação, bichados…”, escreveu.
Certa vez, coisa já de alguns anos, isso no auditório do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, ouvi o poeta, crítico literário e professor universitário Gilberto Mendonça Teles falando de alguns críticos literários que costumam ver certas coisas nos livros que os próprios autores muitas vezes não veem. Pelo que observei em sua fala, Gilberto se referia à leitura de algum crítico sobre a sua obra. Diante do fato de meus ombros não suportarem o ofício de crítica literária, eu fiquei em dívida com o amigo poeta Gilson Cavalcante, que me pediu algumas palavras avaliativas sobre um determinado livro seu. Fiquei em silêncio em relação a seu pedido, ele entendeu e continuou meu amigo do mesmo jeito até março de 2013, quando foi embora da vida para fazer poesia no céu.
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