Psicologia das bets: atendimentos a viciados em apostas crescem 180%
Com a popularização dos cassinos e casas de apostas esportivas on-line, o vício em jogos de apostas tem se tornado um fenômeno preocupante. O número de pessoas afetadas pela compulsão patológica por jogos e apostas tem aumentado substancialmente, dizem especialistas. Mas o que faz o ser humano desenvolver uma predileção tão forte por jogos e apostas a ponto de se tornarem dependentes? Qual é o mecanismo psicológico e neurobiológico que está por trás desse comportamento? Para explorar essas questões, o Jornal Opção conversou com o doutor em psicologia Vinicius Xavier, especialista em vícios e dependências, que nos ofereceu uma análise detalhada sobre o fenômeno.
Segundo o especialista, a predileção do ser humano por jogos está enraizada em nossa biologia e em mecanismos cerebrais que envolvem prazer e emoção. “A competição, a disputa, a aposta, o risco geram emoção. O jogo ativa áreas de interesse no cérebro do apostador que são direcionadas ao prazer”, afirma o psicólogo. Isso ocorre porque quando estamos jogando, especialmente em apostas que envolvem dinheiro ou recompensas imediatas, uma substância chamada dopamina é liberada. A dopamina está intimamente associada à sensação de prazer e recompensa, sendo um dos principais neurotransmissores envolvidos no sistema de recompensa cerebral.
O Sistema límbico e a percepção de ganho
O sistema límbico, responsável pela regulação das nossas emoções, é ativado quando uma pessoa se envolve em atividades de apostas. “Nós temos um sistema chamado límbico, e ele é o responsável por monitorar e gerenciar nossas emoções. Quando você joga, uma substância relacionada à expectativa e ao prazer, chamada dopamina, é liberada e provoca essa sensação agradável do jogo”, explica Xavier. Essa ativação constante leva o jogador a desenvolver o que é conhecido como viés de percepção de ganho — a falsa crença de que as chances de ganhar são maiores do que realmente são.
Esse fenômeno é especialmente relevante em jogos como os cassinos, que são projetados para alimentar essa expectativa. “O jogador desenvolve algo que chama viés de percepção de ganho. Ele sempre acredita que a probabilidade de ganhar é muito maior do que a de perder. Isso é um erro, porque a probabilidade está sempre do lado da casa. A casa sempre ganha”, ressalta o especialista. O funcionamento dos cassinos e plataformas de apostas online é cuidadosamente projetado para manter essa sensação de esperança, mesmo quando o jogador está perdendo constantemente.
Estratégias psicológicas dos cassinos e plataformas de apostas
Tanto os cassinos físicos quanto os cassinos online utilizam estratégias psicológicas específicas para induzir os jogadores a continuar apostando por longos períodos. Nos cassinos físicos, por exemplo, o ambiente é projetado para ser extremamente confortável: “Eles não têm janelas, o clima é sempre agradável, fresco, e há as melhores comidas e bebidas. São mecanismos sorrateiros e sutis”, diz Xavier. O jogador é mantido em um ambiente desconectado do tempo e da realidade, sem relógios, o que facilita a perda de noção de quanto tempo ele passou jogando e de quanto dinheiro já gastou.
Já nos cassinos online, a desconexão financeira é ainda mais evidente. “Não se usa cifrões, utiliza-se moedas virtuais, fichas para que a pessoa não tenha ideia de quanto está realmente gastando. As cores, os personagens, tudo é feito para ser mais agradável e longe da realidade”, observa o psicólogo. Essas plataformas também utilizam a ausência de indicadores temporais, como relógios, para aumentar o tempo de permanência no jogo. Tudo é planejado para maximizar a participação contínua do jogador e minimizar a percepção de perdas.
Os mecanismos neurobiológicos e cognitivos
A predileção pelos jogos e apostas não é simplesmente fruto de um desejo consciente por diversão ou lucro fácil. O especialista aponta que há mecanismos cerebrais e emocionais que tornam algumas pessoas mais vulneráveis a desenvolver o vício em jogos de azar. “Algumas pessoas são vulneráveis a desenvolver dependência por dois motivos: por acreditar que podem enganar o jogo e pelo jogo promover grande emoção a elas. Esse sistema cerebral, esse sistema dopaminérgico, nelas é muito ativado com o jogo”, explica.
Além disso, o controle de impulso é um fator fundamental. Pessoas que têm menos controle sobre seus impulsos são mais suscetíveis a desenvolver comportamento compulsivo, pois o prazer do jogo, somado à dificuldade de controlar o desejo de continuar, cria um ciclo vicioso. Essa vulnerabilidade pode ser agravada por fatores emocionais e cognitivos. “Uma pessoa que tem baixo repertório de escape emocional ou de prazer na vida está vulnerável à dependência de jogos. Em outras palavras, uma pessoa que não pratica esporte, não tem boas relações sociais, não tem amizades ou outros prazeres, quando encontra no jogo uma fonte de prazer, ela fica vulnerável”, acrescenta.
Aspectos sociais e econômicos do vício em apostas
O vício em apostas não se limita ao cérebro e às emoções. Ele também está intimamente ligado às condições sociais e econômicas do jogador. Pessoas em situação de vulnerabilidade econômica são frequentemente as mais afetadas, pois veem nas apostas uma oportunidade de melhorar sua condição de vida, mesmo que essa crença seja ilusória. “Pessoas vulneráveis economicamente também são vulneráveis ao vício. Elas têm essa crença de que podem ganhar de maneira mais forte, e isso é amplificado pelo papel dos influenciadores e das propagandas”, comenta Xavier.
A pressão financeira, combinada com a expectativa de um ganho fácil, transforma o jogo em uma fuga da realidade difícil e, em muitos casos, a única fonte de esperança para melhorar a situação. No entanto, essa expectativa irrealista só agrava os problemas financeiros e emocionais, levando a uma espiral de dívidas, isolamento social e problemas de saúde.
O tratamento do vício em jogos de apostas
O tratamento para a dependência de jogos de azar é muito semelhante ao de outros tipos de vício, como o vício em drogas. “O tratamento classificado como ouro para esse transtorno passa por duas vias: o tratamento psicológico, em terapia cognitivo-comportamental, e o tratamento farmacológico”, explica o doutor Vinicius Xavier. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem se mostrado eficaz, pois ajuda o paciente a identificar os padrões de pensamento e comportamento que levam à compulsão por jogos, além de desenvolver estratégias para lidar com o desejo de jogar.
Além disso, o tratamento farmacológico pode incluir o uso de medicamentos que ajudam a regular os níveis de dopamina no cérebro, controlando assim o impulso de continuar jogando. A combinação dessas abordagens tem demonstrado sucesso em muitos casos, mas o tratamento pode ser longo e desafiador, pois o vício em jogos, assim como outros tipos de dependência, envolve uma luta constante contra os gatilhos emocionais e cognitivos que incentivam o comportamento compulsivo.
Nota do Ministério da Saúde
O Ministério da Saúde, em conjunto com os Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento Social, participa de um Grupo de Trabalho interministerial para desenvolver políticas públicas voltadas à prevenção e ao tratamento da dependência em jogos patológicos.
Desde 2023, o Ministério tem ampliado a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), habilitando 117 novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), totalizando 2.953 unidades em 2024, incluindo 314 voltadas para crianças e jovens. O orçamento da RAPS também foi aumentado em 27%, o primeiro incremento desde 2016, e a meta de novos CAPS, no âmbito do Novo PAC Saúde, foi dobrada, beneficiando 13,4 milhões de pessoas.
Em relação aos números de atendimentos ambulatoriais relacionados a jogos patológicos, em 2022 foram realizados 841 atendimentos e 1.290 em 2023. Até julho de 2024, já foram registrados 2.406 atendimentos. Cabe ressaltar que os dados são referentes a atendimentos e não a pessoas, uma vez que uma mesma pessoa pode ser atendida mais de uma vez.
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