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Conheça o prefeito “goiano” que matou a gestão e foi ao cinema

Dirigido por Júlio Bressane, o filme “Matou a Família e Foi ao Cinema”, de 1969, é um dos grandes clássicos do cinema marginal e do cinema nacional. A obra não tem um roteiro linear: trata-se de uma sequência de histórias em que o, ou os, protagonistas chegam aos limites de seus delírios e encontram na morte (na deles mesmos ou na de terceiros) o clímax da insanidade. A primeira história é justamente a que dá o título do filme: um jovem de classe média baixa mata os pais a sangue frio, usando uma navalha, e em seguida vai ao cinema assistir a “Perdidos de amor”, alienando-se em uma prisão mental alternada entre alucinação e realidade, e ignorando completamente e o peso e as consequências do ato que acabara de cometer.

Por vezes, compete ao jornalismo, sobretudo a jornalistas que têm na sétima arte uma paixão — caso deste articulista que vos fala —, traçar paralelos, comparativos a situações da vida real à ficção vista na grande tela. E agora não poderia ser diferente.

Na manhã de terça-feira, 8, cerca de 2 mil servidores comissionados da Prefeitura de Goiânia levantaram-se de suas camas desempregados. Com a publicação no Diário Oficial do Município do que foi apelidado de “Decretão”, o prefeito Rogério Cruz (Solidariedade) dispensou ou exonerou quase que integralmente o quadro de servidores em cargos de comissão ou confiança que atuavam nas mais diversas pastas municipais de Goiânia. Da Saúde, passando pela Secretaria de Comunicação e Finanças até a Educação, praticamente nenhuma se salvou.

O ato veio pouco depois após o chefe do Executivo municipal sofrer uma derrota acachapante nas urnas, no domingo de votação. Confirmando as expectativas, Rogério recebeu pouco mais de 21 mil votos (menos de 4% dos votos), ficando atrás de todos os outros candidatos, com exceção do Professor Pantaleão, do UP.

O clima com a demissão em massa era de choque, com servidores e cidadãos irmanados, consternados. Rapidamente, vídeos mostrando a reação dos servidores passaram a circular na internet. Em um deles, uma mulher aparece comunicando a uma pequena multidão do lado de fora da UPA Vet — hospital público veterinário na capital — que os servidores da unidade haviam “sido todos demitidos”. “Eu sinto muito. É uma perda para a causa animal […]. A gente está aqui como voluntários por vocês. Vamos admitir hoje cirurgias complexas, com risco de morte. Infelizmente não tem como mais passar, não conseguimos mais admitir consultas que não sejam emergenciais. Estamos aqui de coração partido por vocês”, desabafa a mulher, diante de olhares incrédulos dos presentes.

Nas notas emitidas para justificar os cortes, tudo era vago e evasivo. Nenhuma explicação sobre os motivos das exonerações, como seriam as substituições, como seriam mantidos os serviços essenciais afetados. Uma vereadora de oposição, em uma fala dura contra a iniciativa do prefeito, chegou a dizer que, naquele dia, em Goiânia, ninguém podia nascer e nem morrer, uma vez que já não havia servidores na ativa nas maternidades municipais e nem nos cemitérios. O “Decretão” teria sido, inclusive, publicado sem a ciência do secretário de Governo, Jovair Arantes (um dos braços direitos do prefeito), e do chefe de Gabinete, José Firmino. Parece ter se instalado a República do Caos no Paço Municipal. O café, dizem lá, agora está sempre frio.

Esquentando a cabeça do servidor e esfriando a própria

Mas o fato que trouxe imediatamente à mente deste jornalista o pôster com o título em caixa alta do filme de 1969 de Júlio Bressane foi justamente o comportamento de Rogério Cruz logo após deixar quase 2 mil pessoas — pais, mães, jovens, chefes de família, profissionais técnicos (e sim, muitos indicados de políticos) — sem emprego: o prefeito viajou em uma agenda pessoal, junto com a primeira-dama Thelma Cruz. O destino não foi revelado pelo Paço, mas a reportagem apurou que Rogério Cruz teria ido, a passeio, a Brasília. A interlocutores, disse que “precisava esfriar a cabeça” e que era provável que não fosse ao Paço Municipal antes de quarta-feira.

Ali nascia o título deste artigo: “O prefeito “goiano’ que matou a gestão e foi ao cinema”. Era inconcebível e inquietante para qualquer ser racional como o prefeito de uma cidade de quase 1,5 milhão de habitantes poderia afundar em colapso os serviços públicos, por meio das demissões em massa, e simplesmente… viajar para “esfriar a cabeça”. O chefe do Executivo municipal parece, assim como o personagem inicial do filme de Júlio Bressane, ter se apartado momentaneamente de toda e qualquer concepção dos efeitos e consequências do ato que acabara de cometer. No caso do personagem do filme, um crime bárbaro. No caso do prefeito, uma derrapada de gestão monumental. Uma mostra de insensibilidade humana.

Claro, como dito, o alheamento foi momentâneo e o prefeito foi recordado logo disso. Pela janela de sua bolha de despreocupação, Rogério Cruz parece ter enxergado, ao longe, o furacão (não o Milton, é claro) se aproximando. Pressionado por lideranças e vereadores furiosos, que chegaram a ameaçá-lo de impeachment, o prefeito recuou no mesmo dia e revogou o “Decretão da exoneração”, readmitindo todos os 1,9 mil servidores. O sentimento de desnorteio era tamanho que beirava a tragicomédia. “Se eu soubesse que era um day off, teria ido ao cinema”, ouvi de uma servidora que estava na leva das demissões, mas também teve a exoneração revogada.

No fim de tudo, foi isso. O prefeito deu um dia de folga fora do calendário para o serviço público e, por um dia, parou a cidade. Vingança? Retaliação por ter sido derrotado em sua tentativa de reeleição ou, como Rogério Cruz tentou fazer crer, “corte de gastos” para controle das finanças públicas? Seja qual for o motivo, o prefeito de Goiânia colocou no chinelo o mais estrambótico dos roteiros do cinema marginal — e isso não é um elogio.

(Uma má notícia, à guisa de conclusão: Rogério Cruz ainda ficar no comando — “comando”? — por mais dois meses e 18 dias.)

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